DESENHO[1]
Espaçar
com subjetividade
María
Fernanda Bonilla
Mestranda
PPGAC-UFBA
Foto: João Milet Meirelles |
Uma mulher que me lembra a
imagem de Frida Kalho brinca com o papel, a fita adesiva e o corpo do homem dos
sapatos. Ela esculpe com o corpo do homem e o papel, e numa admirável ação que
supera qualquer tecnologia de espetáculo, duplica o corpo do homem com sapatos.
Este novo homem de papel fica no espaço, pensado para onde ir, sua posição só
espera o momento indicado para pular e habitar um novo espaço. No entanto, fica
no seu lugar, se exibe como uma peça escultórica que engana os olhos dos
espectadores, ele parece rocha, pesado, forte, ainda que os espectadores saibam
que é ligeiro e mole.
O espaço começa a existir com
outras ações que acontecem. A mulher Kalho, como o rastro dos corpos de papel,
deixa seus próprios traços; com ligeira velocidade seus passos atravessam uma
diagonal e no caminho deixa intermitentes linhas brancas; em outro momento, seu
corpo no chão como casulo se transforma numa borboleta; os abraços que ela dá
para uma das paredes do cenário se tornam asas nascidas de suas costas.
As anteriores ações tem a fita
adesiva como ferramenta; o homem dos sapatos e a mulher Kalho a manipulam de
jeito que superestimam o instrumento; a fita é tão rápida, ligeira e
contundente no seu traço que dá vontade de manipulá-la e desenhar com ela; além
disso, o som no seu acionar proporciona-lhe uma personalidade eficiente - devo
admitir que minha existência neste mundo de máquinas se humaniza
assustadoramente, pois já conferi qualidades humanas ao som dos objetos.
Foto: Margô Assis |
No espaço a mulher Kalho e o
homem dos sapatos pintam e esculpem, a fita adesiva é o pincel e o papel é a
argila; o espaço fica animado pelos traços e as imagens que agora moram nele.
Estes objetos que preenchem o espaço não somente o residem, também oferecem um
espírito, uma presença, uma personalidade. O espaço que inicia com a cor preta
não deixa ler nada, só reafirma a convenção teatral da não interpretação, apoia
os novos elementos que se realçam sobre ele; o cenário se transforma numa
espécie de circuito, de rota, de caminho; o homem e a mulher tem transformado o
espaço num lugar que da vontade de habitar; além da necessidade de observar os
rastros, nasce a necessidade de utilizar os objetos, os corpos e o papel, a
fita, os traços, o bisturi.
O espaço-lugar ganhou vida com
as ações dela e dele. Eles deixam ver o espaço morto, inexpressivo, que é
utilizado como contentor de coisas, cujo paradoxo ontológico é ser vazio, como
o espaço que possibilita a configuração, como o local que contém os corpos onde
ao mesmo tempo criam o espaço e o lugar para cada uma de suas criações. O
espaço só existe enquanto que a mulher e o homem obram sobre ele. Em Desenho temos um espaço que responde à
utilização subjetiva e é assim como existe. Enquanto que a mulher Kalho e o
homem dos sapatos experimentam nele, o espaço nasce. O espaço deixa de ser o
vazio que se preenche de coisas, para ser o habitado, o experimentado, o
vivido. Assim “Não há mais espaço que aquele que é vivido subjetivamente”
(PERAM, 2010). Estas duas pessoas apresentaram um espaço que pretendia ser
objetivo para torna-lo num fértil panorama subjetivo.
Além de criar este
espaço-subjetivo, este também é espaçado.
“Espaçar é a liberação do local” (HEIDEGGER, 1969). O cenário se transforma em
algo mais que um museu e um teatro; ao final da peça a mulher Kalho e o homem
dos sapatos convidam, com um gesto limpo e gostoso, a entrar no espaço. A
vontade de entrar no espaço, levantada por eles em nós é liberada depois da
construção-animação dele. O teatro é liberado enquanto limite entre atores e
espectadores e é liberado como museu enquanto barreira entre obra e observador;
nos dois casos, espectador e observador abandonam seu estado passivo para
ativar todas as vontades acordadas pelos primeiros atores; os dois lugares,
abertos nesta encenação (museu-teatro), ficam liberados de suas originais e
limitantes funções, para acrescentar seu ser no mundo. “Espaçar é atuar sobre
os sites, em que um deus aparece; locais onde os deuses fugiram, locais onde
atrasa o aparecimento da divindade” (HEIDEGGER, 1969). Já não existe a
divindade no plano do prazer afastado, existe a divindade vivida, com
experiência, a divindade que foi criada por humanos para o disfrute da
humanidade.
Referencias:
HEIDEGGER,
Martin. El arte y el espacio. Revista Eco,
volumen (122), pp. 113-120. Bogotá,
Colombia.
PERAN,
Martí. Espacios (practicados, ficticios e institucionales). 2010. Disponível em: www.martiperan.net. Acesso em: 18 de junho 2012.
[1] Peça apresentada por Margô
Assis (MG) e Eugênio Paccelli Horta (MG). 1° de junho 2012 no Interação e
Conectividade VI, Salvador-BA.
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